Saramandaia – Nos bastidores

Saramandaia – Nos bastidores

Cenográfica e brasileira

saramandaiaTão personagem quanto seus moradores, a fictícia Bole-Bole merecia mesmo atenção especial. Durante mais de cinco meses, a equipe de cenografia liderada por May Martins pesquisou a fundo para imprimir ecletismo na cidade cenográfica de ‘Saramandaia’.

O desafio era criar um lugar improvável, porém possível, e mostrar que Bole-Bole é, na verdade, a união de várias cidades brasileiras. Para isso, a equipe buscou referências em capitais como Belém (PA), Belo Horizonte (MG) e Porto Alegre (RS), além de cidades menores, como Palmeira dos Índios (Al) e São Tomé das Letras (MG). Por ali, pode-se ver uma prefeitura do sul do Brasil, assim como um prédio do nordeste, um aqueduto como o da Lapa carioca e uma rodoviária ao estilo do arquiteto Niemeyer. Tudo muito harmônico, com uma pálida paleta de cores, evitando que uma ou outra construção se sobressaia, mas sempre marcando certa estranheza.


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Com quase cinco mil metros quadrados, Bole-Bole possui uma peculiaridade: uma parte alta, acessada por escadas de tijolo e pedra que permite outro ponto de observação da cidade. O fabuloso universo da novela remete a histórias medievais e permitiu a construção de uma cidade murada. “Ter uma parte mais alta é visualmente interessante, cria uma tela vertical no vídeo. Ela abre possibilidades de enquadramento das cenas e quebra a rotina das gravações”, conta May.

A cidade cenográfica ainda abriga a praça principal com um coreto para cada banda, uma rodoviária, a prefeitura de Lua Viana (Fernando Belo), o Centro Cívico, a farmácia de Cazuza (Marcos Palmeira), a barbearia e a lanhouse de Cursino (André Abujamra) e Totó (Zeu Britto), a loja de pássaros de João Gibão (Sergio Guizé), a pensão de Risoleta (Debora Bloch) e as casas dos ilustres bolebolenses como a de Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes) e Redonda (Vera Holtz).

Para a morada do professor (e lobisomem nas noites de quinta-feira), May e sua equipe se inspiraram em construções inglesas. “A casa do Aristóbulo foi pesquisada em um site especializado em fotos de casas abandonadas. E os filmes de Tim Burton também têm uma influência forte neste trabalho. É como se a casa estivesse parada no tempo”, explica a cenógrafa. Já a personagem mais pesada da trama mora em uma casa que remete a um cupcake. A ideia foi construir com base em um doce, sem ares de desenho animado. “Costumo brincar que a Redonda é um art nouveau com confeitos”, brinca May.

Nos cenários internos de ‘Saramandaia’, a conta é também alta: todos juntos somam cerca de quatro mil metros quadrados de estúdio. Entre os mais imponentes, está a representação cenográfica da rixa que divide a cidade: as duas fazendas da novela. De um lado, a da família Vilar, onde as pessoas vivem em torno da figura do avô, Tibério (Tarcísio Meira), reservado em seu próprio mundo e literalmente enraizado na sala. De outro, a da família Rosado, cuja dona de casa é Helena (Ângela Figueiredo), uma mulher moderna e com um extremo bom gosto. May conta que até a paleta de cores exprime estas diferenças: “Na fazenda Vilar, era importante ficar visível que aquelas paredes têm vivência, estão ali há séculos e carregam a história da família. Tudo ali é mais quente e barroco, de tons terrosos ao verde. Já Helena não tem esta relação com o passado. Ela só quer saber da estética perfeita e dos gélidos tons azuis das paredes de sua casa.”

A arte de misturar

A equipe do produtor de arte Guga Feijó festejou quando terminou de ler a sinopse de ‘Saramandaia’. Com uma trama tão rica nas mãos, poderia ousar, usar e abusar sem medo de exageros.

Para a praça central da cidade fictícia, o trabalho conjunto com a equipe de cenografia resultou em um divertido pavão de topiaria. Inspirado no filme norte-americano “Edward, mãos de tesoura”, a escultura em jardim ganhou identidade brasileira, repleta de flores coloridas. “Imagine se isso caberia em uma praça de estilo francês… mas em Bole-Bole, tudo pode”, diverte-se Guga, que escolheu o pavão por ser uma ave bastante exótica e fazer referência à música “Pavão Misterioso”, tema do protagonista João Gibão (Sergio Guizé).

Já dentro da igreja, é possível rezar ao pé da imagem de Santo Dias, padroeiro de Bole-Bole e símbolo de uma grande homenagem a Dias Gomes, autor da trama original de 1976. A peça, fabricada na Bahia, tem 1,2 metro de altura e retrata o mundo do teatro e da televisão. “Com o rosto de Dias Gomes e uma pena e caderno nas mãos, o santo de cores fortes e estilo lúdico representa nossos grandes dramaturgos”, conta Guga. O produtor de arte também chama a atenção para o interior da prefeitura. Para decorar as paredes com fotos dos antigos prefeitos de Bole-Bole, sua equipe utilizou o rosto do ator José Mayer, intérprete de Zico Rosado, para criar os retratos de homens de várias épocas. “O Zico não diz que foi sua família quem fundou a cidade? E que até a eleição de Lua Viana (Fernando Belo), membros dos Rosado ocupavam o cargo de prefeito? Pois então só podem ser todos parecidos ao Zico”, brinca Guga.

sara7Momento de diversão para a equipe de produção de arte foi dar vida à sala e ao escritório da casa de Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes) e sua mãe, Dona Pupu (Aracy Balabanian). Com referências em “Harry Potter” e nos filmes de Tim Burton, uma infinidade de livros, revistas, bibelôs, relógios, porta-retratos, porcelanas, discos e até uma vitrola se espalham pelos ambientes também frequentados por gatos. A quantidade de objetos, ao contrário de transmitir bagunça, passa o conservadorismo de uma senhora apegada às lembranças e aos pertences de família acumulados por gerações. No geral, os tons de paredes, tapetes e sofás são suaves e pastéis para que o cenário interfira somente quando for necessário.

E o que dizer do que compõe a alimentação de Dona Redonda (Vera Holtz)? O mesmo que encherá o estômago da personagem, encherá também os olhos do telespectador. Coloridos e bem moldados, cupcakes, macarrons, jujubas e brigadeiros dão graça à mesa da gulosa senhora, sempre em tom lúdico e infantil para mostrar que Redonda não come com ganância, mas sim com prazer. “Para facilitar o movimento e destacar o ato de devorar a comida, criamos doces em tamanho mini, bem pequenos mesmo, que podem ser enfiados na boca de uma vez só. O efeito em cena é fantástico”, comenta Guga.

A moda bolebolense

Gogoia Sampaio, figurinista de ‘Saramandaia’, acredita que o sonho de João Gibão (Sergio Guizé) em mudar o nome da cidade acabou facilitando o trabalho de sua equipe. A brincadeira com a trama da novela é para explicar que a divisão entre bolebolenses e saramandistas está também bastante presente no vestuário das pessoas.

Mas foi também o protagonista quem mais lhe desafiou artisticamente. Como, desde criança, usa um gibão para esconder suas asas, não poderia ter apenas um. Gogoia e sua equipe então produziram três gibões diferentes. “O Ricardo Linhares (autor) menciona que é a mãe dele, Leocádia (Renata Sorrah), quem fabrica os gibões. Isso nos permitiu criar e modernizar a peça, mas também nos exigiu muito cuidado para não copiarmos outros modelos”, conta Gogoia.

Os moradores mais tradicionais, como a carola Fifi (Georgeana Góes), o casal Aparadeira (Ana Beatriz Nogueira) e Cazuza (Marcos Palmeira) e o chefe de gabinete Encolheu (Matheus Nachtergaele) usam tons sóbrios e peças mais antiquadas. O comportamento dos personagens, sempre em prol de Bole-Bole, está impresso também no conservadorismo de suas roupas.

Redonda (Vera Holtz) segue a mesma linha. Mas, apesar da falta de cuidados com o corpo, ela é uma mulher vaidosa, que gosta de peças estampadas e coloridas. “A Redonda não compra roupa em loja. Na cidade, não há quem venda com suas medidas. Mas ela gosta de encomendar na costureira, quase sempre conjunto de saia e bolero”, comenta Gogoia. Para a equipe de figurino, a realização das peças da personagem exigiu maior cuidado, já que precisava estar de acordo com o falso corpo usado pela atriz Vera Holtz. Desde o tecido ideal que permitisse leveza e movimento até o tipo de saia e blusa para marcar a vaidade de Redonda, tudo foi minimamente pensado.

Na fazenda da família Rosado, a presença de estilos diferentes é bastante forte. Matriarca da família, Candinha (Fernanda Montenegro) mistura tudo o que tem no armário e nem por isso sai menos elegante que os demais. Com um vestido dos anos 30, um xale da década de 80 e óculos de 2000, tudo é possível para ela. “Candinha está sempre arrumada para o dia em que seu grande amor do passado for buscá-la. Ele pode chegar a qualquer instante”, lembra Gogoia. Enquanto a bisavó passeia tranquilamente por várias épocas, Stela (Laura Neiva) é a típica adolescente antenada em moda. Com peças bem atuais, ela gosta de românticos vestidos floridos, shorts mais curtos, camisas com estampas modernas e, mesmo em fazenda, sapatos de salto.

Do outro lado da cidade, as mulheres da família Vilar são os ares de mudança que chegam à região. Com um cabelo bem curto e platinado, Zélia (Leandra Leal) mostra que acompanha as tendências quando usa jeans com botas e camisas mais femininas, uma clara mistura de seu temperamento forte com um jeito mais doce de mulher apaixonada. Vitória (Lilia Cabral), sua mãe, igualmente se adequa à fazenda, mas as peças mais rústicas são usadas com roupas urbanas, claramente assinadas por algum famoso estilista de São Paulo, que não nos deixa esquecer todos os anos que a empresária viveu na cidade.

Segunda pele

SaramandaiaAs equipes de caracterização e efeitos especiais trabalharam em afinada parceria. Mas o desafio era mesmo grande: recriar os emblemáticos personagens Dona Redonda e o lobisomem Aristóbulo para passar o máximo de realismo possível em tão diferentes corpos.

O primeiro passo foi escanear o corpo real dos atores para moldá-los em fibra de vidro. Gabriel Braga Nunes, Vera Holtz e Sergio Guizé (que precisava de uma corcunda para João Gibão) voaram para Los Angeles (Estados Unidos), onde a técnica chamada de body scanning é mais avançada. Para o início da parte de criação, as equipes contaram com a consultoria de Mark Coulier, maquiador inglês premiado pela caracterização de Meryl Streep no filme “A Dama de Ferro”.

A pedido da equipe de direção da novela, a grande preocupação dos profissionais envolvidos no processo de transformação da Dona Redonda foi garantir mobilidade à atriz Vera Holtz. “Não podíamos perder suas expressões, seus movimentos”, diz Marcelo Dias, supervisor de caracterização, que trabalhou para que o corpo da personagem não ficasse enrijecido e chegasse ao resultado mais favorável.

Durante quatro semanas, aproximadamente dez tipos diferentes de material foram utilizados nos cinco processos que deram vida a Dona Redonda. Em gordas camadas, seu corpo exigiu o desenvolvimento de técnicas de ventilação e hidratação para que a atriz não sofresse com o calor e a transpiração excessiva. “O tecido espumoso é airado, distancia o corpo da Vera da prótese. É um respiro pra ela”, comenta Marcelo.

O corpo do lobisomem segue o mesmo princípio de realismo e conforto para o ator. Para sua composição, a prioridade foi trabalhar com materiais translúcidos que permitissem rápida adesão à pele real e facilidade na pintura de tons amarronzados. O silicone utilizado fica justo ao corpo do ator, dá formato à musculatura do lobisomem e ajuda na colocação do pelo.

Tudo no lobisomem é inédito e pioneiro. Pela primeira vez, os técnicos da Globo utilizaram uma escultura e um molde em fibra de vidro para desenvolver o nariz do personagem em silicone. Quando encaixado ao rosto do ator, é impossível ver as marcas ou emendas na pele real. Todo esse processo, de encaixe do nariz e das demais partes do corpo do lobisomem ao do ator, leva cerca de cinco horas para terminar.

A família de Aristóbulo também merece destaque. A cabeça de seu pai Belisário foi moldada e pintada a partir do escaneamento do rosto do ator Luiz Henrique Nogueira para então ser encaixada na redoma de vidro fabricada pela equipe de produção de arte. “Para aqueles momentos em que Dona Pupu (Aracy Balabanian) leva o marido para dançar na sala”, brinca Marcelo. A caracterização da divertida senhora, por sua vez, foi inspirada na estilista inglesa Vivienne Westwood. Seu cabelo laranja gera certa estranheza, liberando-a da sisudez das tradições.

“Virtualismo” fantástico

Se pelo texto do autor Ricardo Linhares já não é fácil localizar a fictícia Bole-Bole dentro do Brasil, imagine quando a novela estrear e apresentar ao público a tão curiosa cidade. É que, elevada por uma alta colina, ela é cercada por canaviais, bosques e lençóis d’água. As distintas paisagens não estão juntas na realidade e misturá-las representou um grande desafio para a equipe de computação gráfica e direção.

Preocupados em passar o máximo de realismo possível, técnicos e diretores pesquisaram referências mundiais em cenografia virtual até encontrarem a tecnologia adequada para montar o entorno da cidade. Trazida da Califórnia (Estados Unidos), uma técnica inovadora e inédita no Brasil passou então a criar dunas, árvores, mares e plantações em quantidades e em texturas muito próximas às reais. Desde dezembro de 2012, as equipes estão construindo uma malha de cenário virtual para estruturar a cidade com todos os seus elementos físicos e, assim, conseguirem gravar em todos os planos que a história pede.

Com a tecnologia em andamento e enxergando as várias possibilidades que tinham nas mãos, conseguiram também ampliar o cemitério onde o lobisomem Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes) passeia durante as madrugadas. “Esse processo inovador permitiu que o cemitério cenográfico de oito tumbas, montado no Projac, se transformasse em um cemitério gigantesco de aproximadamente três quilômetros com direito a uma imensa floresta seca. Isso é também muito desafiador para o ator, que agora precisa interagir com esse mundo virtual”, conta Fabrício Mamberti, diretor-geral da novela.

O objetivo da direção da novela sempre foi usar as possibilidades da computação gráfica, como retoques virtuais e composições 3D, da maneira mais realista possível, dentro da linguagem fantástica da trama. Por isso, o casamento entre o efeito mecânico e o efeito digital foi fundamental. A transformação do professor Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes) em lobisomem, por exemplo, foi levada em consideração durante todo o processo de caracterização manual do personagem. À equipe de computação gráfica, foram enviadas todas as informações como tons de pele, medidas do corpo, etc.

No compasso dos maestros

‘Pavão Misterioso’, do compositor Ednardo, será a única música da versão de 1976 a entrar na trilha sonora de ‘Saramandaia’. Não mais como a canção de abertura, mas sim como tema do personagem João Gibão (Sérgio Guizé), o homem alado da cidade de Bole-Bole. Manter a música na novela foi uma decisão do autor Ricardo Linhares e da diretora de núcleo Denise Saraceni para homenagear a obra de Dias Gomes. “A canção é muito forte e muito característica do personagem, se encaixa perfeitamente na história dele”, explica Ricardo.

Essa será uma das poucas músicas com letra. A maioria será instrumental. O produtor musical Sérgio Saraceni trabalha com mais dezoito músicos na criação e produção de novos e pitorescos arranjos, que além de gravados, serão também tocados em cena pelas duas bandas da cidade: a saramandista Lira Euterpiana do maestro Totó (Zeu Britto), e a Filarmônica Bolebolense, do tradicionalista maestro Cursino (André Abujamra). As duas formadas pelos mesmos músicos que produziram as canções. De cenográfica, as bandas não têm nada!

Fotos: Divulgação



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