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Pirataria no radar dos Estados Unidos
Nos últimos anos, a política cultural do Brasil foi alvo de monitoramento por parte dos Estados Unidos. E o posicionamento do Ministério da Cultura (MinC) frente à pirataria e à proteção dos direitos autorais – que afetam gravadoras, produtoras e distribuidoras americanas – mereceu especial atenção, como mostram documentos oficiais do Departamento de Estado americano. Em cinco anos e meio de mandato, o ex-ministro Gilberto Gil foi alvo de 15 relatórios, produzidos pela embaixada dos EUA em Brasília e pelos consulados no país, demonstrando preocupação com a política brasileira frente à propriedade intelectual. Num dos documentos, diplomatas relatam como Gil se descreveu como “ministro, músico, mas, sobretudo, um hacker em espírito e vontade” e disse que a pirataria era uma forma de dar à população mais pobre acesso a bens culturais que nunca poderiam comprar. Os americanos chegaram a taxar a posição do governo brasileiro de “esquizofrênica”, pedindo que “os crimes contra a propriedade intelectual fossem considerados de forma mais séria” no Brasil.
O Globo obteve os relatórios por meio da lei de acesso à informação dos EUA (Freedom of Information Act). No pedido, enviado ao Departamento de Estado americano no fim de 2011, foram solicitados todos os documentos oficiais que citassem nominalmente os ex-ministros da Cultura Gilberto Gil, Juca Ferreira e Ana de Hollanda (na época, ela estava à frente da pasta havia 11 meses). A resposta chegou dois anos depois, com 15 relatórios sobre Gil, ministro de 2003 a 2008, durante o primeiro e parte do segundo mandatos do presidente Lula. Juca e Ana, por sua vez, não foram mencionados. Nove desses memorandos foram liberados na íntegra pelo governo dos EUA. Seis tiveram partes vetadas sob a alegação de que citavam “fontes confidenciais”, reuniam “informações comerciais e financeiras privilegiadas” e/ou “violariam informações privadas” caso fossem completamente liberados.
Num memorando encaminhado a Washington em maio de 2003, os diplomatas relatam o encontro de Gil com dois deputados americanos. O relatório ressalta a defesa de uma boa relação com os EUA feita pelo então ministro, mas aponta as ressalvas de Gil, que, de acordo com o registro, dizia que “essa relação precisava se estabelecer de forma mútua (palavra que Gil havia usado diversas vezes, em inglês)”.
Ações concretas e exemplares contra a pirataria
No mesmo encontro, os americanos manifestaram preocupação com a política brasileira em relação à propriedade intelectual, tema recorrente nos meses seguintes, e pediram a Gil que pressionasse a China para que o país passasse a respeitar os direitos autorais. No texto, eles registraram: “Gil concordou com a importância do problema e a necessidade de criar meios eficientes para lidar com isso, mas fez duas ponderações. Destacou que a pirataria permite que muitos membros da população ‘excluída’ do Brasil tenham acesso a produtos que de outra forma não teriam. E disse que as novas realidades tecnológicas da internet e da produção digital criaram um contexto complexo em que a moral da classe média (brasileira) está sendo ‘adaptada’ a novos conceitos do que é certo.”
Dois meses depois, um novo memorando abordou em tom cético o aumento da pena mínima para crimes cometidos contra o direito autoral, de um para dois anos de prisão: “Associações de direitos autorais estão publicamente contentes com a nova lei, mas em rodas privadas temem que os juízes continuem a dar penas baixas aos condenados”. Em seguida, depois de ressaltarem que a nova lei era “um passo no caminho certo”, os diplomatas questionaram em letras maiúsculas: “Mas isso é suficiente?”. E explicaram: “No papel, essa lei é significativa porque penas de um ano de prisão podiam ser substituídas por fiança (…) E a nova lei também estabelece procedimentos para destruir bens contrabandeados”. Porém, mais à frente, citando fontes confidenciais, os americanos ponderaram que “muitos juízes podem considerar dois anos de prisão tempo excessivo” para esses crimes.
Segundo o mesmo documento, entre 1996 e 2003 o Brasil não havia condenado nenhum dos 6.400 acusados de pirataria. A Associação de Defesa da Propriedade Intelectual (Adepi) armazenava 40 toneladas de VHS e CDs piratas, e a Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF) “guardava pelo menos cinco milhões de CDs” do mesmo tipo em seus estoques. No texto enviado ao Departamento de Estado em Washington, ficou clara a crítica ao país: era necessário que “os crimes contra a propriedade intelectual fossem considerados de forma mais séria” no Brasil.
Por esse motivo, no fim de 2003, diplomatas americanos comemoraram o primeiro Dia Nacional Antipirataria do Brasil (3 de dezembro) e a destruição de 500 mil CDs pirateados por tratores, em frente ao Congresso brasileiro. “Nunca antes haviam sido tomadas tantas ações concretas, transparentes e exemplares contra a pirataria”, elogiaram. A conquista foi atribuída aos deputados envolvidos na CPI da Pirataria, sobretudo ao então presidente da comissão, Luiz Antonio de Medeiros (PL-SP). No livro A CPI da Pirataria (Geração Editorial), de 2005, Medeiros conta que os deputados foram convidados aos EUA por quatro congressistas americanos, entre eles Joe Biden, hoje vice-presidente do país, e que a viagem serviu “para mostrar à comunidade internacional que o combate à pirataria e ao comércio de produtos falsificados estava sendo tratado com seriedade em nosso país”.
Ironia ao falar da “esquizofrenia”
Entretanto, em abril de 2005, a questão voltou à pauta dos EUA, em memorando no qual a Motion Picture Association, gigante do cinema americano, apontava “esquizofrenia” do governo brasileiro ao lembrar a defesa de Gil da “ética hacker” três meses antes, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Em debate sobre o uso de softwares livres, Gil dissera que, além de ministro e músico, era “um hacker em espírito e vontade” – na tradução dos americanos, hacker at heart.
O pagamento de direitos autorais de músicas também voltou a ser tema de um memorando redigido um ano depois. Em reunião de representantes do governo americano com Marcos Souza, diretor de Direitos Intelectuais do MinC, (ele voltou a ocupar o cargo na administração de Marta Suplicy), esse foi um dos primeiros tópicos abordados. No encontro, Souza explicou aos americanos o funcionamento do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e lamentou “que a indústria cinematográfica havia se recusado a pagar as quantias fixadas (pelo escritório, para o uso de músicas), alegando que isso não era prática nos Estados Unidos”. Os diplomatas, porém, não registraram a reação dos americanos. Procurado para comentar o tema, Souza não retornou o contato.
Gil atribui o monitoramento diplomático dos EUA ao fato de ser “um artista de relevância internacional” e de, no MinC, ter “mexido em questões que dizem respeito aos interesses americanos”. “Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos assumiram essa posição hegemônica, de quem distribui a visão ideológica e programática do mundo inteirinho. Qualquer um que fuja desse alinhamento, que adote uma iniciativa mais autônoma, vira alvo”, afirma Gil, por telefone, de Salvador. “Mas essa posição dos Estados Unidos está sendo posta em xeque agora. Estão aí as novas forças globais e o novo ativismo.”
Apesar de classificar como “compreensível” o conteúdo dos documentos, Gil adotou certa ironia ao falar da “esquizofrenia” que os americanos viram em sua gestão – sobretudo na declaração de que ele se sentia um hacker: “É o que eles acham. Não é? Vou dizer o quê? Fazer o quê? Agora pergunte a eles (aos americanos) se isso foi deselegante. Não a mim.”
A questão da diversidade cultural
Sobre a ausência de Juca Ferreira e Ana de Hollanda nos relatórios que avaliaram os últimos dez anos da política cultural brasileira, Gil foi objetivo: “Não falaram de Juca porque ele foi meu secretário e o mandato dele, de continuidade. Sobre a Ana, não sei.”
Nos 15 documentos do Departamento de Estado americano, um dos poucos elogios feitos sobre a atuação de Gilberto Gil no Ministério da Cultura foi o projeto Cultura Viva. “Gil tem falado muito sobre softwares livres e inclusão digital das classes mais baixas (…) e, domesticamente, um programa implementado pelo ministro segue essa visão: o Cultura Viva”. Para os americanos, “um dos trabalhos mais notáveis saídos dos centros culturais (criados com o projeto) foi o hip-hop do Rio”.
Para além dos direitos autorais, outros temas estiveram no radar dos Estados Unidos durante a gestão de Gil – mas também relacionados aos interesses da indústria cultural americana. Um ano depois da posse do presidente Lula, os diplomatas americanos lotados no Brasil enviaram a Washington um memorando sobre o decreto baixado por Lula para elevar de 35 para 63 a cota mínima de dias para a exibição de filmes nacionais em salas de cinema do país. Isso afetaria a presença da produção dos EUA na programação, e os americanos registraram o atrito: “Exibidores que não cumprirem essa nova regra serão penalizados com uma multa”, explicava o texto, ressaltando que a Motion Picture Association e o Cinemark – dois gigantes do cinema americano – acreditavam que essa medida era “desnecessária e possivelmente diminuiria o investimento no setor”.
O mesmo informe cita ainda o então secretário do Audiovisual, Orlando Senna, destacando que ele “disse à imprensa que a cota é uma ferramenta de reserva de mercado comumente usada por emergentes para proteger o cinema nacional da completa ocupação por produtos estrangeiros hegemônicos, no caso, os filmes americanos”. Logo à frente, citando uma fonte confidencial, aparece mais uma crítica ao governo brasileiro: “Essas cotas são mecanismos ineficientes de proteção industrial e, no caso do Brasil, resultarão em menos investimento”. Segundo o memorando, o Brasil já era um país que sofria com “baixo investimento em salas de qualidade”.
Três anos mais tarde, em dezembro de 2007, a possibilidade de restrição à exibição do cinema americano em território nacional voltou a preocupar os diplomatas. Naquele mês, o então ministro Gilberto Gil sugeriu, durante um evento da Unesco realizado em Ottawa, a criação de um fundo mundial em favor da diversidade cultural. Os documentos da embaixada americana no Canadá relatam a proposta apresentada por Gil na Convenção sobre Proteção e Promoção da Diversidade Cultural, registrando que a delegação brasileira propôs que o fundo fosse financiado com a cobrança de uma taxa pequena, mas simbólica, sobre os filmes de maior bilheteria. No memorando, os diplomatas destacam que, no ano anterior, nove entre dez filmes em cartaz no Brasil eram americanos. A ideia não recebeu qualquer apoio.
Sobre as críticas que projetos como o do fundo receberam dos diplomatas, o ex-ministro enxerga coerência: “Os Estados Unidos não assinaram a Convenção da Diversidade Cultural da Unesco, lembra? Eles são contra isso. Para eles, diversidade cultural é um conceito europeu. Então essa crítica deles é muito coerente.”
Fonte: observatoriodaimprensa.com.br (Cristina Tardáguila, do Globo)