Lactose, glúten, amendoim: por que estamos ficando mais alérgicos?

Lactose, glúten, amendoim: por que estamos ficando mais alérgicos?

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MAR/2016 – pág. 36 e 40

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Predisposição genética, estresse, alto consumo de alimentos processados, industrializados e geneticamente modificados estão entre os culpados.
Pouco se ouvia falar de intolerância e alergia alimentar no passado, mas hoje essas duas palavras estão em toda parte, dando sinais de que essas reações se tornaram uma epidemia. Alimentos até pouco tempo considerados saudáveis se tornaram vilões e são proibidos no cardápio de adultos que muito se fartaram deles no passado. Uma mudança crescente que levanta várias questões: por que estamos cada vez menos tolerantes a alguns alimentos? Por que estamos desenvolvendo cada vez mais alergias? Como podemos nos tornar alérgicos a um alimento que consumíamos sem problemas no passado? Quem mudou, os alimentos ou nosso organismo? Assim como as perguntas, as respostas são muitas.


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Nas últimas décadas as alergias e intolerâncias alimentares tornaram-se um grande problema no mundo. Embora alguns casos sejam de predisposição genética, essa mudança também está associada à piora da qualidade de vida, estresse, alto consumo de alimentos processados e industrializados, alimentos geneticamente modificados e melhores técnicas de diagnóstico.

Cada vez mais crianças e adultos apresentam uma reação exagerada a certas comidas. Sensibilidade excessiva acomete cerca de 8% das crianças com até 3 anos. Especialistas tentam desvendar causas da intolerância.

A lista de alimentos que contêm ovo, leite de vaca e trigo é bastante extensa: o pão de todos os dias, o queijo no café da manhã, o bolo do lanche da tarde, salgadinhos, macarrão. Fica praticamente inimaginável uma mesa brasileira (e de quase todo o mundo) sem esses itens. Entretanto, o sabor prazeroso tem se tornado cada vez mais uma experiência amarga para uma parcela crescente da população. O motivo é a explosão das alergias alimentares, condição que acomete principalmente as crianças. De acordo com a Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (Asbai), de 6% a 8% dos meninos e meninas com menos de 3 anos sofrem do problema.

Pesquisadores internacionais debruçaram-se sobre o tema durante o Encontro Científico Anual do Colégio Americano de Alergia, Asma e Imunologia ocorrido na Califórnia, nos Estados Unidos. A busca pela causa de alergias específicas, os mecanismos por trás da aquisição de tolerância e as formas possíveis de tratamento figuram entre os assuntos debatidos pelos especialistas.

Um dos vilões da intolerância alimentar, o ovo foi o tema principal de um dos estudos apresentados no encontro. Segundo o autor principal do artigo, Rushani Saltzman, alergista do Hospital da Criança da Filadélfia, aproximadamente 600 mil americanos têm alergia ao ovo da galinha. “Felizmente, a maioria dos pacientes consegue superar a alergia até o fim da infância. No entanto, até que isso ocorra, evitar o alimento pode causar significativas limitações dietéticas e impactos consideráveis na qualidade de vida”, observa.

Reação ao leite é a mais curada

Ao tentar compreender a tolerância alimentar, um grupo de pesquisadores da Northwestern Feinberg School of Medicine, nos Estados Unidos, tenta buscar novas perspectivas para o tratamento e o controle da alergia alimentar. A equipe de Ruchi Gupta, busca compreender os fatores associados ao fato de, depois de algum tempo, algumas pessoas se tornarem tolerantes a alimentos que antes causavam reações alérgicas. “Os estudos anteriores apresentam limitação no tamanho da amostra e nos métodos utilizados, focam em um alimento específico e, mais importante, não têm identificado preditores que podem influenciar no desenvolvimento de tolerância”, explica Gupta.

Para solucionar tais defasagens, a equipe se propôs a descrever os fatores associados ao desenvolvimento de tolerância em nove alimentos triviais usando dados de uma amostra nacional composta por cerca de 40 mil crianças. Os resultados de aproximadamente oito meses de observação e de análise mostraram que as crianças com alergia severa ou alergia alimentar múltipla são significativamente menos propensas a desenvolverem tolerância alimentar. Enquanto 15,9% conseguiram se livrar dos sintomas alérgicos, 44,1% permaneceram intolerantes. Já aquelas com alergia leve a alguns alimentos ou apresentam poucos eczemas desenvolvem tolerância mais facilmente. Na amostra estudada, a alergia ao leite foi a situação mais revertida, 41,1% das crianças passaram a tolerar a lactose, logo em seguida veio o ovo, com taxas de tolerância de 40,2%.

Segundo Gupta, sua equipe também conseguiu constatar que certos grupos demográficos são menos propensos a desenvolverem tolerância. “Isso ocorre entre o sexo feminino e as pessoas negras, que têm mais dificuldade para se livrar das intolerâncias. O fato serve como um lembrete de que os efeitos da alergia alimentar não são sentidos igualmente em todas as pessoas”, pondera. De acordo com a pesquisadora, a idade em que aparecem as primeiras reações alérgicas também é crucial. “O efeito não é linear e sugere que existe uma estreita janela de recuperação da tolerância para aquelas crianças que desenvolveram alergia alimentar tardiamente.”

Nos Estados Unidos, chama a atenção o alarmante crescimento de alergias provocadas pelo amendoim, item obrigatório na mesa dos americanos lá são nada menos do que 1,8 milhão de pessoas que passam mal quando comem qualquer coisa à base dessa oleaginosa.
Os genes têm culpa no cartório. Se os pais apresentam algum tipo de reação, mesmo que não tenha a ver com comida como asma ou dermatite , o filho tem 75% de risco de desenvolver uma manifestação do gênero, incluída a alergia a algum tipo de alimento, conta. Ela ocorre quando o sistema imunológico passa a enxergar a proteína de determinado ingrediente como uma ameaça.

A incidência do distúrbio cresce principalmente em regiões industrializadas. Por isso, uma das hipóteses é a chamada teoria da higiene, revela Scott Sicherer, pesquisador do Hospital Monte Sinai, em Nova York, nos Estados Unidos. De acordo com ela, os hábitos de limpeza, as vacinas e os antibióticos tornam as pessoas menos expostas a infecções. Isso levaria o organismo a, digamos, perder a noção de relevância e atacar algo que não representa real perigo, como a proteína de um alimento.

Muitos especulam que o crescente consumo de produtos industrializados contribuiria para a maior incidência da alergia alimentar mas nada ainda foi comprovado. Evandro Prado, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia, tem uma explicação na ponta da língua para esse fenômeno: Estamos fazendo mais diagnósticos de alergias, o que aumenta a prevalência do problema, avalia. Em tese, industrializado ou não, qualquer alimento é capaz de desencadear uma bela reação alérgica. Mas existem aqueles, como o leite e os frutos do mar, que se transformaram em protagonistas de boa parte dos episódios. Acredita-se que suas proteínas sobrevivam à digestão e, assim, sejam mais facilmente reconhecidas (e atacadas) pelo sistema imune, diz Sicherer.

O curioso é que a reação alérgica pode desaparecer à medida que a criança cresce ou, então, no outro extremo, se manifestar apenas na fase adulta. Ainda não se sabe o motivo, mas na infância algumas células passam a produzir substâncias que bloqueiam os anticorpos, pondo um ponto final na alergia em muitos casos. Estamos falando de crianças. Com adultos, uma vez iniciada, a história não tem fim. “Uma pessoa pode comer camarão a vida inteira e só aos 30 anos reagir a ele”. E depois do episódio vai apresentar os sintomas toda vez que ingerir o crustáceo. E a pergunta é: por que a aversão ao camarāo só dá as caras na fase adulta? Porque qualquer reação vai depender da dosagem dos anticorpos específicos. E pode levar uma semana ou mais de dez anos até que o organismo forme uma considerável quantidade de anticorpos.

Diagnosticar a alergia a um alimento ou a reação adversa a um corante, que seja não é tarefa fácil. Os médicos recorrem ao histórico do paciente e pedem diversos testes de pele. Já por meio de um exame de sangue, podem calcular a quantidade de anticorpos envolvidos. E há mais duas estratégias de que se valem os especialistas antes de bater o martelo: a dieta de restrição e o teste de provocação oral. A primeira consiste em retirar o alimento suspeito do cardápio durante seis semanas. E a segunda, em reintroduzi-lo aos poucos tudo sob supervisão médica. A quantidade de anticorpos não determina obrigatoriamente a intensidade da reação, esclarece Evandro Prado. Isso significa que uma pessoa com níveis baixos de um anticorpo específico não está livre de um quadro mais sério, como um choque anafilático.

Aqueles que são, sem nenhuma sombra de dúvida, alérgicos a um determinado alimento só têm uma saída: evitar o dito-cujo. Isso até que se descubra a cura para a doença. No caso sobretudo das crianças, o controle rigoroso da dieta é imprescindível. Não adianta só retirar o leite, quando é caso de alergia a esse item, mas também os seus derivados, como iogurte e queijo, exemplifica a nutricionista Renata Pinotti, professora da Universidade Metodista de São Paulo. Ler o rótulo dos produtos, acredite, faz a diferença.

Sintomas da alergia

As reações alérgicas variam de pessoa para pessoa e se manifestam em diversas partes do corpo.

Pele: Bolinhas espalhadas por toda a superfície corporal são os sinais mais famosos da crise. Além de coceiras leves ou intensas, aparecem manchas avermelhadas que ressecam algumas regiões.

Inchaços: Eles se manifestam normalmente nos lábios, nas orelhas e na região em torno dos olhos. Trata-se de um extravasamento de líquido para fora dos vasos. O mais perigoso é o edema de glote: a laringe fica inchada, impedindo que o ar passe.

Sistema digestivo: Desarranjos por lá também podem indicar alergia. Surgem dores abdominais, náusea, vômitos e até mesmo diarreia. Muitas vezes esses sintomas são confundidos com outro tipo de reação, a intolerância.

Respiração e choque: As vias aéreas também sofrem. E aí vêm falta de ar, chiados no peito e tosse. Já o choque anafilático é causado pelo excesso de histamina no sangue. A substância dilata os vasos, derrubando a pressão e levando ao desmaio.

A cura da alergia

Hoje, para conter as substâncias que disparam as manifestações da alergia, são receitados os anti-histamínicos os populares antialérgicos. Para os casos mais graves como aqueles em que um inchaço na garganta impede a passagem de ar , já estão no mercado canetas de adrenalina. Uma picada impede a piora do quadro. De qualquer forma, diante de uma reação alérgica severa, é sempre prudente correr para o hospital.

Os cientistas investigam há tempos, e com grande interesse, os resultados da imunoterapia. O objetivo é expor o organismo gradualmente à proteína do alimento e assim treinar o sistema imune para não reconhecê-la como inimiga, explica Sicherer. Além disso, já se estuda uma vacina recombinante. Ela é feita com base na modificação das proteínas do alimento, que deixam, assim, de ser vistas como elementos estranhos. Por enquanto, esse imunizante ainda é uma promessa. Quando virá? Ninguém sabe. E a cura permanece um enigma.


Elaine Peleje Vac
elaine@nossagente.net
(Médica no Brasil)
Não tome nenhum medicamento sem prescrição médica.
Consulte sempre o seu médico.



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