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Entrevistando Ulisses Rocha
NOV/15 – pág. 58 e 59
Ulisses Rocha passou a primeira infância na cidade de Pirassununga, interior de São Paulo. Em 1968, por motivos de trabalho de seu pai, foi para a capital e, em 1970, iniciou seus estudos de violão erudito com o professor Antônio Manzione. Três anos mais tarde, Ulisses começou uma fase autodidata, vindo a relacionar-se com o rock e com a guitarra, convívio que criou um diferencial na construção de seu estilo.
Em 1977, passou a se interessar por Jazz e MPB, quando ingressou no CLAM – Centro Livre de Aprendizagem Musical -, escola de música fundada pelo Zimbo Trio. Lá, aprimorou seus conhecimentos de teoria musical, harmonia e improvisação e foi onde, dois anos mais tarde, lecionaria, logo depois de ter abandonado o curso de agronomia.
No CLAM, conheceu André Geraissati, na época também professor, que o convida a participar do grupo D’alma – trio de violões que revolucionou a linguagem do instrumento. O grupo participou de diversos festivais internacionais de Jazz, como os de Paris, Montreal, Quebec, Ottawa, Nova Iorque, além do Free Jazz Festival no Brasil. O D’Alma deixou três discos, dois dos quais com a participação de Ulisses.
Em 1985, Ulisses foi convidado a fazer parte da comissão de seleção do Festival dos Festivais, promovido pela TV Globo. Foi quando conheceu César Camargo Mariano, que o convidou a integrar o grupo Prisma.
Gravado pelo selo carioca Visom, o disco Alguma Coisa A Ver Com o Silêncio foi lançado também na Europa pela GRP – renomada gravadora americana. O disco marca o início da trajetória solo de Ulisses, que conta com 6 CDs, 3 fitas de vídeo e um livro, além de inúmeras participações em coletâneas e em trabalhos de outros artistas.
Dentre os muitos artistas com quem trabalhou, Ulisses tocou com Gal Costa, Zé Renato, Olívia Byington e Heraldo do Monte; e gravou com Hermeto Pascoal, Hugo Fatoruso, Roberto Carlos, Sá e Guarabira, Ritchie, Diana Pequeno, Cida Moreira, Ronnie Von, Marlui Miranda, Vânia Bastos. Também dividiu o palco, em encontros especiais, com Egberto Gismonti, Al Di Meola, Toquinho, Eliane Elias, Canhoto da Paraíba, Marco Pereira, Paulo Bellinati e com o grupo Boca Livre. Atualmente, Ulisses leciona na Universidade da Flórida, enquanto paralelamente realiza shows no Brasil e na Europa. Confira a entrevista exclusiva com Ulisses Rocha para o Nossa Gente.
NG – Quais cursos você ministra na Universidade da Flórida?
UR – Ministro os cursos Guitar Studio, que engloba violão e guitarra elétrica, e Jazz Composition, que eu crio e faço arranjos, além de também reger o UF Guitar Ensemble e ser um dos integrantes do Programa Jacaré Brazil, organizado por Larry Crook e Welson Tremura, que ensina e ensaia grupos para execução de repertório popular brasileiro. Não é pouco trabalho.
NG – Você divide sua residência entre Brasil e Estados Unidos?
UR – Vou ao Brasil com certa regularidade, mas a maior parte do tempo fico em Gainesville, onde está a Universidade da Flórida.
NG – Qual o prazo previsto para permanecer como educador nos Estados Unidos?
UR – Na verdade, não há um prazo previsto. Fui convidado para desenvolver o programa de violão da faculdade de música da UF, e o programa está crescendo bastante. Vou ficando enquanto for necessário.
NG – Paralelamente a sua atividade como professor, também investe em sua carreira artística nos Estados Unidos?
UR – Nunca abandono o lado artístico, mas, numa primeira etapa dessa minha estadia americana, fiquei mais concentrado nos compromissos acadêmicos que são muitos. Agora, com as coisas andando mais naturalmente, começo a me movimentar no sentido artístico com mais intensidade.
NG – Você aplica o mesmo curso para os alunos brasileiros e norte-americanos?
UR – O curso é basicamente o mesmo. Os americanos são mais acostumados ao método e à cobrança, ou seja, submetem-se mais à hierarquia professor/aluno, o que facilita bastante o trabalho do professor. Parte-se do princípio que você está ali por conhecer a matéria e saber como transmiti-la de forma eficaz. No Brasil, é muito comum receber alunos mais inquisitivos, o que é bom com certa medida. O problema é que essa medida é transgredida com certa frequência, o que torna o trabalho um pouco menos confortável e menos eficaz na medida em que se perde muito tempo discutindo princípios sobre assuntos muitas vezes ainda não vividos pelos alunos. Mas é o jeito brasileiro. Fui assim também quando mais jovem.
NG – Em 2006, você lançou o livro Violão Solo MPB. Você tem planos para lançar novos livros?
UR – Não. Essa não foi uma boa experiência. Meu objetivo na época era ser um editor de repertório popular para violão, escrito por novos talentos do instrumento. A ideia era ter material atual de distribuição direta via professores e escolas de música, fugindo das lojas e, consequentemente, melhorando o acesso e o preço. O projeto, no entanto, não decolou. Fiquei sempre com a impressão de que professores e escolas ficavam enciumados, e não se sentiam bem apoiando um projeto de um colega. Entenderam como concorrência, interpretação imatura e pouco inteligente, pois o material produzido tornaria a vida deles mais prática, além de gerar um capital extra. Acabei por me decepcionar com o meio didático/violonístico, que se autossabota o tempo todo.
NG – Ainda na área didática, você ministra cursos pela internet, via Skype?
UR – Sim, mas não em caráter particular. Faço isso como parte de minhas atribuições acadêmicas, produzindo cursos à distância e dando aulas via Skype para as universidades.
Carreira
NG – O D’Alma foi um grupo muito elogiado pela crítica especializada, bem como admirado pelo público. Existe algum material de estúdio que não tenha sido lançado na época do Som da Gente?
UR – Não. Chegamos a iniciar um novo repertório que comporia o 4° CD, mas o grupo acabou antes de terminarmos o projeto. Sendo assim, tudo que o D’ Alma tem gravado é conhecido pelo público.
NG – Existe a possibilidade do D’Alma voltar a se reunir para gravação de novos trabalhos, mesmo que com diferente formação?
UR – Chegamos a discutir isso várias vezes, algumas delas com um certo entusiasmo, mas ao fim sempre acabamos reticentes em relação aos ganhos reais de uma volta do grupo. Acho que o tempo do D’ Alma foi maravilhoso e produtivo. Deixamos uma marca e uma boa lembrança nas pessoas, mas mudamos como artistas, e aquela realidade não existe mais. Seria uma forçação de barra. Assim mesmo, não fecharia o assunto com um sonoro “nunca”.
NG – Na década de 80, o Som da Gente, Nossa Gente, Camerati e outros selos investiam em música instrumental. Você se envolveu com produção musical para suprir o trabalho até então realizado pelas gravadoras?
UR – Fui chamado por grandes gravadoras, algumas vezes como músico profissional, para fazer parte de gravações de artistas como Ritchie, Ronnie Von e Roberto Carlos, mas nunca para desenvolver um trabalho instrumental. Foi uma experiência muito boa. Aprendi muito sobre produção, mercado e música comercial.
NG – Como seus trabalhos são produzidos e distribuídos?
UR – Já produzi trabalhos desde a época do vinil até a era do MP3, passando por todas as etapas e formas de distribuição. A distribuição mais tradicional, via lojas, com divulgação em massa pelas rádios, dedica-se hoje em dia apenas à música de massa e, por isso, eu e todos os artistas que não pertencem a essa vertente acabaram migrando para pequenas estruturas de produção e distribuição eletrônica. Eu preferi ser completamente autônomo. Componho, executo, gravo e distribuo meu próprio trabalho. Estou bem mais feliz agora.
NG – Você acredita que a música gravada venha a ser comercializada em um novo formato, como a volta no disco de vinil, por exemplo?
UR – Ela já vem sendo distribuída em vários formatos, mas me parece que é mais para colecionadores e aficionados por áudio. A massacradora maioria vem ouvindo música em computadores e celulares que são, na minha opinião, a mídia do momento. Mas esse mundo anda muito rápido, e logo alguém chega com uma nova ideia. Já vi essa mudança muitas vezes.
NG – Uma vez que você vem atuando ativamente nos mercados europeu, norte-americano e brasileiro, como vê o atual cenário da música?
UR – É difícil responder a essa pergunta de uma forma resumida. Acho que o mercado musical ficou mais complexo e segmentado. A internet abriu um espaço alternativo muito abrangente, e estamos aprendendo a lidar com ele e suas possibilidades. A cultura de massa está cada vez menos criativa e interessante, mas ainda muito poderosa, monopolizando as mídias tradicionais como rádio, TV e imprensa escrita, o que é um dificultador para as outras correntes mais criativas e pessoais. Enfim, há pontos favoráveis e desfavoráveis, e a gente tem que achar nosso espaço para poder surfar nessa nova onda.
NG – SÓ (título do CD de Ulisses Rocha), como o título sugere, é um trabalho apenas com violão, sem acompanhamento de banda. É maior o desafio de gravar um disco nesse formato?
UR – Não acredito que seja um desafio maior. Há dificuldades inerentes a cada tipo de projeto. No entanto, não é fácil fazer um trabalho interessante tendo apenas um violão nas mãos. Por outro lado, essa limitação sempre me faz ir mais fundo na busca das possibilidades de se desenhar uma boa música para o ouvinte. Quanto menos elementos você tem, mais criativo tem de ser para arrancar mais dinâmica e cores do seu instrumento e, consequentemente, de sua música.
NG – Quais seus projetos futuros?
UR – Bem, tenho muitos. Um deles é meu novo CD, gravado em trio com baixo e bateria, a ser lançado pela Violab, um selo novo com um grande projeto dedicado ao violão em amplo espectro, do qual participo ativamente. A Violab pretende trazer o violão para um plano mais alto de apreciação, tornando-o mais acessível a um público menos envolvido com o instrumento. Se tudo correr bem, em breve voltaremos a escutar violonistas nas rádios, como acontecia na época de Dilermando Reis.
Soul Colors
Gravado nos EUA em 2014, Soul Colors é basicamente uma releitura da própria obra. O repertório foi compilado de trabalhos mais antigos, que por força da revolução das mídias, já não se encontram mais no mercado.
Nessa revisão, o violonista inclui, em algumas faixas, espaços para improvisação solo, o que não se encontrava nas versões anteriores e que constitui o principal diferencial desse trabalho. Em Soul Colors Ulisses realinha-se com suas raízes ligadas à música popular e o jazz, assumindo uma maior liberdade tanto na exposição dos temas como nos trechos improvisados, mostrando uma liberdade rítmica, harmonica e melódica incomuns, o que acentua ainda mais seu estilo pessoal e inconfundível.
Apesar dessa reaproximação com o jeito mais livre de tocar, nota-se uma maior preocupação com a sonoridade, sinal da maturidade de um artista sempre em evolução, que busca um caminho intermediário entre as linguagens clássica e popular.
As novidades ficam por conta de duas composições inéditas, “Delírio” e “O Tempo”, que através de suas melodias inspiradas propõem uma viagem à tradição do violão brasileiro ligado às canções e modinhas.
Fonte: Assessoria Ulisses Rocha
Serviço
Contato para shows com Ulisses Rocha: guitaragencycontact@gmail.com
Sallaberry
Músico, produtor musical e bacharel em Publicidade e Propaganda, membro do Latin Grammy. Autor do Manual Prático de Produção Musical.