JUN/13 – pág. 60 e 61
Nesta edição da série “Coluna Saúde da Mulher”, nós vamos discutir uma condição que, infelizmente, afeta um número muito grande de mulheres: a endometriose.
Essa condição ocorre quando as células da mucosa que reveste a parede interna do útero (ou cavidade uterina) começam a aparecer fora do útero. O nome dessa mucosa é endométrio e, portanto, o nome: endometriose. O endométrio é sensível às alterações do ciclo menstrual e às ações dos hormônios estrogênio e progesterona. Se não houver fecundação, a maioria do endométrio é eliminada durante a menstruação, e o restante volta a crescer durante o próximo ciclo menstrual.
O endométrio localizado fora do útero também responde a esses hormônios. Portanto, a cada mês, processo semelhante à menstruação ocorre nesse endométrio ectópico e, com o decorrer do tempo, formam-se lesões e tecido de cicatrização, chamadas de aderências pélvicas. Essas lesões tendem a ser inflamadas e são bastante dolorosas.
Os órgãos que mais comumente são afetados pela endometriose são: os ovários, as trompas, a região que fica atrás do útero (conhecida como “fundo de saco”), os ligamentos uterinos, intestinos, os ureteres e a bexiga e, finalmente, a vagina. Mais raramente, a endometriose também pode ser encontrada na parede do abdômen, nos pulmões, e até mesmo no cérebro.
A endometriose afeta principalmente mulheres em idade reprodutiva, entre 15 a 44 anos de idade. Embora o número exato de casos não seja conhecido, aproximadamente 6 a 10% das mulheres nessa faixa etária (5 milhões de mulheres) são afetadas pela doença. Alguns fatores podem aumentar o risco para a doença, como: ciclos menstruais curtos, malformações congênitas do trato genital e história familiar de endometriose. Por outro lado, a doença é menos comum em mulheres que tenham tido pelo menos uma gravidez.
O que causa a endometriose?
Não se sabe exatamente o que causa a endometriose. Uma das hipóteses mais aceitas é que a endometriose seja causada por um processo chamado menstruação retrógrada. Através desse processo, sangramento menstrual e, consequentemente, células da mucosa endometrial fluem através das trompas durante a menstruação, alcançando então a cavidade pélvica. Essas células endometriais se implantam nas superfícies dos órgãos pélvicos, onde elas começam a crescer e desenvolver as lesões de endometriose. Esse processo obviamente aconteceria em todas as mulheres, mas, naquelas em que a endometriose se desenvolve, existiria deficiência imunológica interferindo com a capacidade de o organismo combater e destruir essas células endometriais presentes na cavidade pélvica. Outra teoria para explicar como a endometriose se desenvolve é a disseminação de células de mucosa endometrial através da corrente sanguínea ou da corrente linfática. Essa teoria poderia explicar os casos de endometriose à distância como, por exemplo, nos pulmões.
Predisposição genética também parece ter um papel importante na endometriose. Filhas ou irmãs de mulheres com endometriose têm predisposição maior para a doença, e a incidência da endometriose é seis vezes maior em mulheres que tenham um parente de primeiro grau com a doença.
Finalmente, vários estudos têm investigado a ligação da exposição à substância “Dioxin” e o desenvolvimento de endometriose. Os mecanismos pelos quais a exposição a essa substância leva à endometriose não estão esclarecidos.
Sintomas
Os sintomas da endometriose dependem da localização das lesões, sendo que os mais comuns são cólicas menstruais, dor ou desconforto durante a relação sexual, dor pélvica em geral e infertilidade. Algumas mulheres também podem apresentar sintomas urinários, sintomas gastrointestinais e alterações do ciclo menstrual.
A severidade desses sintomas é imprevisível e não se correlaciona com o estágio da doença. Algumas mulheres com endometriose em estágio inicial têm cólicas menstruais e dor pélvica intensa, enquanto outras mulheres com endometriose em estágio avançado têm pouca dor. A doença normalmente se desenvolve vários anos depois do início da puberdade e, como a endometriose é considerada uma doença progressiva, a sintomatologia pode piorar com o passar do tempo. Pelos menos 30% das mulheres com endometriose não apresentam sintomas, e os sintomas podem temporariamente melhorar durante a gravidez. Depois da menopausa, a grande maioria das mulheres com endometriose para de apresentar os sintomas da doença.
Algumas vezes, os sintomas não parecem estar relacionados com a doença. A endometriose pode ser confundida com outras condições que podem causar dor pélvica, como a síndrome do cólon irritável, doença inflamatória pélvica ou cistos ovarianos. Constipação e fadiga crônica também são descritos em pacientes com endometriose.
A complicação mais importante da endometriose é a infertilidade. Aproximadamente 30 a 50% das mulheres com endometriose têm dificuldade para engravidar. Para que uma gravidez possa acontecer, o óvulo (liberado pelo ovário) precisa ser captado pela trompa, fertilizado pelo espermatozoide dentro da trompa, e depois implantado na parede uterina, onde a gestação se desenvolve. A endometriose pode levar a alterações da anatomia pélvica e formação de aderências pélvicas, que podem resultar em obstrução das trompas, não permitindo que o óvulo e o esperma se unam. Porém, a endometriose também pode levar à infertilidade sem que haja alterações anatômicas, e essa ligação da endometriose com infertilidade ainda não parece muito bem esclarecida. Alguns estudos sugerem que, quando a endometriose está presente, existe a liberação de substâncias inflamatórias na cavidade pélvica que são prejudiciais ao desenvolvimento dos gametas e dos embriões.
O Diagnóstico
Para diagnosticar a endometriose, e também outras condições que possam causar dor pélvica, é importante descrever os sintomas para o seu profissional de saúde de maneira precisa. Recomenda-se manter um calendário menstrual, descrevendo quando a dor começa e termina em relação à menstruação, à severidade da dor, ao local e também se existem outros sintomas associados.
A avaliação médica normalmente inclui:
- Exame pélvico: durante esse exame, o profissional de saúde fará a palpação do abdômen e da pélvis, avaliando a presença de anormalidades como cistos, nódulos e aderências. Infelizmente, quando as lesões de endometriose são pequenas, o exame pélvico não as detecta.
- Ecografia: durante o exame de ecografia pélvica, cistos ovarianos causados pela endometriose, chamados de endometriomas, podem ser detectados. A ecografia também pode permitir a identificação de outros sinais indiretos de endometriose, como a presença de líquido na cavidade pélvica.
- Laparoscopia: a única maneira de se fazer o diagnóstico de endometriose com certeza é através da realização de uma laparoscopia (ou outros tipos de cirurgia) com biópsia das lesões. Através desse procedimento cirúrgico, realizado com anestesia, uma câmera é introduzida na cavidade abdominal e pélvica, geralmente através do umbigo e com uma incisão de mais ou menos um centímetro, permitindo a visualização direta das lesões de endometriose e a gravidade e extensão da doença. O diagnóstico é baseado na aparência clássica das lesões e corroborado com os resultados da biópsia.
Tratamento
O tratamento da endometriose pode ser feito com medicações e/ou cirurgia. Geralmente, a escolha entre um ou outro tratamento depende do grau da doença, da severidade dos sintomas e se existe ou não o desejo de engravidar. A princípio, recomendam-se tratamentos mais conservadores, deixando a cirurgia para casos mais severos ou quando o tratamento clínico tenha falhado.
- Analgésicos: os analgésicos podem ser recomendados como primeira linha de tratamento para aliviar as cólicas menstruais. As medicações como “Ibuprofeno” podem ser utilizadas, mas o objetivo é simplesmente controlar as dores ao invés de atuar diretamente na doença.
- Terapia Hormonal: hormônios podem ser efetivos para reduzir ou eliminar as dores relacionadas à endometriose. Durante o ciclo menstrual, o estrogênio (um dos principais hormônios feminino) aumenta significativamente e pode estimular a lesões de endometriose. Dessa forma, o uso de alguns tratamentos hormonais previne esse aumento do estrogênio, evitando o estimulo das lesões. As terapias hormonais para tratar endometriose incluem:
- pílulas anticoncepcionais: ajudam a controlar os hormônios durante o ciclo menstrual. A maioria das mulheres tem fluxo menstrual mais leve e curto quando estão usando a pílula. Quando o anticoncepcional é usado em regime contínuo, ele pode reduzir ou eliminar as dores relacionadas à endometriose;
- agonistas ou antagonistas do hormônio de liberação das gonadotrofinas: essas medicações bloqueiam as gonadotrofinas, que são os hormônios responsáveis para estimular os ovários. Essa ação interrompe os ciclos menstruais e reduz os níveis de estrogênio de forma acentuada, causando atrofia das lesões de endometriose. Esse tratamento pode levar a endometriose a entrar em remissão por meses ou anos. Infelizmente, já que esses tratamentos induzem uma situação semelhante à menopausa, eles podem acarretar sintomas desagradáveis como fogachos e secura vaginal. Doses baixas de estrogênio ou progesterona podem evitar ou aliviar esses efeitos colaterais;
- danazol: essa medicação também bloqueia a produção das gonadotrofinas, suprimindo os ovários e bloqueando a menstruação. Apesar de agir com eficácia na endometriose, essa medicação não é usada com frequência devido aos seus efeitos colaterais, muitos deles irreversíveis;
- medoxiprogesterona (Depo-Provera): medicação injetável, que efetivamente bloqueia o ciclo menstrual e, como consequência, as lesões de endometriose. Infelizmente, essa opção tem o efeito indesejado de ganho de peso;
- inibidores da aromatase: essa enzima participa do processo de esteroidogênese, convertendo os androgênios em estrogênio. Quando essa enzima é bloqueada, a produção de estrogênio diminui a níveis muito baixos, dessa forma interrompendo o estímulo das lesões da endometriose, que necessita do estrogênio para continuar crescendo. Esse mecanismo resulta no controle dos sintomas de maneira efetiva.
É importante lembrar que as terapias hormonais não são um tratamento definitivo para a endometriose. Quando o tratamento é interrompido, os sintomas tendem a recorrer.
- Tratamento cirúrgico conservador: quando o tratamento clínico não consegue controlar os sintomas de endometriose, quando a dor é muito severa ou quando existe o desejo de engravidar, a cirurgia pode ser indicada. A cirurgia conservativa objetiva a remoção das lesões de endometriose e aderências pélvicas sem a remoção de qualquer órgão reprodutivo. Esse procedimento pode ser realizado através da laparoscopia ou de cirurgia abdominal tradicional em casos mais severos. Durante a cirurgia laparoscópica, pequena câmera (laparoscópio) é introduzida no abdômen através de uma pequena incisão no umbigo. Guiado pelo laparoscópio, o cirurgião pode introduzir outros instrumentos que são, então, utilizados para remover ou cauterizar as lesões de endometriose.
Quando o objetivo primário é a gravidez, técnicas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro, podem ser mais indicadas do que a própria cirurgia, principalmente nos casos que a endometriose está em grau avançado.
- Tratamento cirúrgico definitivo: nos casos de endometriose de grau avançado, cirurgia removendo o útero e os dois ovários pode ser indicada. Esse é considerado o único tratamento definitivo para a endometriose. A histerectomia (remoção somente do útero) não é um tratamento efetivo, pois os ovários mantêm a produção de estrogênio que continua a estimular as lesões de endometriose, mantendo o quadro de dor. É importante ressaltar que a cirurgia definitiva deve ser considerada somente quando todas as outras opções de tratamento não obtiveram sucesso.
Mensagem final: a endometriose é uma doença muito comum, crônica e de difícil tratamento. As tentativas para o controle dos sintomas podem ser frustrantes e interromper o dia a dia normal das pacientes. Como resultado da doença, muitas pacientes com endometriose sofrem de depressão e ansiedade. É fundamental que o diagnóstico seja feito o mais precocemente possível e que você tenha acompanhamento médico adequado, podendo discutir quais as opções e melhores alternativas de tratamento. Quando necessário, grupos de suporte para mulheres com endometriose podem ter um papel importante.
Fotos: Divulgação
Celso Silva, M.D.;M.S.
Center for Reproductive Medicine
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