Deportações acirram debate sobre reforma migratória nos EUA

Deportações acirram debate sobre reforma migratória nos EUA

Em uma tarde recente na capital americana, Washington, um xamã enfileirava grãos de milho e os banhava com água para desejar sorte, água e alimentos aos “irmãos” indocumentados que cruzam a fronteira entre o México e os Estados Unidos.

Manifestantes criticam a ideia de que apenas 'bons imigrantes' podem ficar nos EUA
Manifestantes criticam a ideia de que apenas ‘bons imigrantes’ podem ficar nos EUA

O ato ecumênico – que reuniu igrejas tradicionais e indígenas latino-americanas – encerrava uma série de manifestações que buscaram influenciar o debate sobre as deportações, que se intensificou desde que a Câmara dos Representantes (Deputados) começou a discutir o seu projeto da reforma migratória.

A movimentação a dias do recesso de agosto do Congresso – durante o qual pelo menos 34 mil imigrantes serão deportados dos Estados Unidos, segundo as projeções – tenta estabelecer as bases para quando o tema voltar à pauta dos deputados, em setembro.

Nas últimas semanas, os republicanos, que controlam a Câmara, indicaram que poderiam aprovar um projeto de lei que permitiria a naturalização de filhos de imigrantes trazidos para os Estados Unidos pelos seus pais quando crianças – os chamados “sonhadores”. Mas a atitude em relação ao resto da família, em especial aos pais que cometeram o crime de cruzar a fronteira, permanece hostil.


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“Não podemos cair nesse jogo de dizer que há bons e maus imigrantes, e que vamos proteger os bons e deportar os maus”, disse à BBC Brasil Pablo Alvarado, diretor da organização nacional de trabalhadores diaristas, NDLON, que organizou a semana de protestos.

“Se uma reforma migratória não der igualdade para os 11 milhões, vamos continuar com a mesma situação e uma subclasse de cidadãos que vivem neste país”, argumentou.

Debate sem rosto

A dicotomia que a discussão ganhou entre os republicanos ficou evidente após as declarações polêmicas feitas por uma das vozes mais ativas contra a imigração, o deputado Steve King, eleito por um distrito majoritariamente branco do Estado de Iowa, no Meio-Oeste americano.

Em entrevista, King disse que, para cada criança trazida ilegalmente por seus pais para os Estados Unidos, “existem outras cem pesando 130 libras (59 kg), com panturrilhas do tamanho de melões porque estão transportando 75 libras (34 kg) de marijuana pelo deserto”.

“Essas pessoas seriam legalizadas pela mesma lei”, concluiu o deputado. A declaração estarreceu até o também linha-dura John Boehner, presidente de Câmara. O republicano qualificou as declarações do colega de “ignorantes” e “odiosas”.

Mas, embora opiniões como a de King não representem a maioria do partido que controla a Câmara, a verdade é que o resto dos 11 milhões de imigrantes está longe de contar com uma imagem tão complacente como a dos 2 milhões dos “sonhadores”.

“Eles querem projetar a imagem do estudante que foi para a universidade, fala inglês sem sotaque, se veste como qualquer americano, como um filho das pessoas daqui, como idôneo e ideal”, critica Alvarado.

“O mesmo não acontece com os pais, que têm sotaque, falam diferente, comem comidas diferentes, se vestem diferente e, na verdade, são os mais humildes.”

Deportações sob Obama

Ocultos na frieza das estatísticas, cerca de 400 mil imigrantes – pais e mães, avôs e avós, dizem ativistas – são deportados dos Estados Unidos anualmente desde que o presidente Barack Obama assumiu o governo.

Obama havia prometido não deportar imigrantes cuja único crime foi cruzar a fronteira para tentar a vida, mas números do projeto de monitoramento Trac, da Universidade de Syracuse, no Estado de Nova York, indicam que o discurso não correspondente totalmente à realidade.

Até junho, apenas 14,7% dos imigrantes processados estavam relacionados a atividades criminais. É um indicador pior do que no último ano do governo do republicano George W. Bush, quando a proporção era de 16%.

A proporção também é significativamente mais baixa do que o nível de 30% que se registrava em 1992, início de uma década em que, concordam historiadores, os Estados Unidos cresciam rapidamente e praticamente davam as costas, ainda que não oficialmente, à entrada de mão-de-obra ilegal.

Discurso e prática

A codiretora do projeto Trac, Susan Long, estatística e professora da universidade, disse à BBC Brasil que os números apontam um descompasso entre o que a Casa Branca diz e o que a intrincada burocracia governamental coloca em prática.

Sem necessariamente entoar o coro de entidades pró-imigração que acusam o governo Obama de mostrar “duas caras” na questão migratória – uma para os jovens, outra para os pais –, ela crê que o governo americano desperdiça recursos que poderiam ser melhor utilizados no combate a criminosos de real periculosidade.

O governo Obama contesta os números do projeto, que obtém suas informações por requisições com base na Lei de Acesso à Informação. A administração diz que o projeto usa informações incompletas, mas não publica dados complementares.

Alvarado, da NDLON, questiona inclusive as violações da lei imputadas aos imigrantes. Diz que muitas são cometidas por “falta de opção para ganhar a vida e dar de comer aos filhos” e não representam risco à sociedade, como usar um número de previdência social falso.

O argumento é contestado por especialistas conservadores, como Ronald Mortensen, do Centro de Estudos para a Imigração, para quem essas falsificações não são violações sem importância. Segundo Mortensen, três em cada quatro imigrantes trabalhando ilegalmente nos Estados Unidos fraudaram algum documento a fim de dar a parecer que têm direito a exercer função remunerada no país.

Em um blog do centro de estudos, Mortensen argumentou que reconhecer esta “fraude maciça de documentos” equivale a dar “anistia” para criminosos e é “uma política equivocada”.

O equilíbrio que os republicanos encontraram para aprovar a reforma migratória no Senado – a lei prevê possibilidades de legalização para todos os 11 milhões de ilegais – foi colocar no projeto uma série de recursos, incluindo um gasto de mais de US$ 40 bilhões, para elevar a segurança da fronteira com o México.

Se o debate sobre as deportações não emperrar no Congresso, analistas avalia que esta pode ser uma solução palatável também para os deputados.

Entre organizações republicanas e entidades conservadoras, muitos se dizem abertos à ideia de uma reforma migratória ampla, contanto que as medidas de reforço nas fronteiras sejam suficientes para evitar que a imigração ilegal volte a ser um problema em mais dez ou 20 anos.

Fonte: bbc.co.uk



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