O sonho não acabou. A “Jovem Guarda” continua

O sonho não acabou. A “Jovem Guarda” continua

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FEV/16 – pág. 20 e 22

O movimento musical, liderado por Roberto e Erasmo Carlos, demarcou uma linguagem comportamental no Brasil, com gírias excêntricas. O guitarrista Raul Tremendão, que tocou com Erasmo, resgata o inesquecível em seus shows

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Voltar aos anos sessenta é percorrer o túnel suspenso no imaginário para alcançar aonde é preciso. Reviver um dos períodos marcantes da música brasileira, o “Movimento Jovem Guarda”, liderado por Roberto e Erasmo Carlos, que ditou comportamento a uma juventude que despertava para uma nova consciência, foi surpreendente. A era de expressões marcantes e gírias excêntricas, a exemplo de, “é uma brasa mora”, ou “vem quente que estou fervendo”, demarcaram uma linguagem comportamental no Brasil. E, acredite, já se passaram cinquenta anos. Tudo começou a partir de um programa na TV Record, em São Paulo, incendiando corações e estabelecendo a chamada “década de ouro” com a explosão de grupos musicais, cantores iê, iê , iê e duplas célebres, a exemplo de Leno e Lilian e Deno e Dino. Uma legião de nobres artistas que encantou gerações, falando de amor, mas sem levantar uma bandeira política, o que gerou críticas ao movimento. A alegria e descontração da “Jovem Guarda” a transformaram em um dos maiores fenômenos nacionais do século XX. E quem viveu essa época, jamais a esquecerá.


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Quase duas da tarde quando o músico Tremendão chega para a entrevista. Cabelos grisalhos e irreverentes, óculos escuros e trajes que denominam o personagem remanescente do “Movimento Jovem Guarda”, Raul de Barros, o Raul Tremendão, vem acompanhado da esposa, Genoveva, contagiando o ambiente com sua descontração que lhe é peculiar. Foi contrabaixista da Banda Tremendões, que tinha como vocalista o notável Erasmo Carlos, o Tremendão, sucesso nas tardes de domingo nos palcos da Rede Record. Na gravação original da famosa e inesquecível canção, “Sentado à Beira do Caminho” – imortalizada na voz de Erasmo -, Raul foi o músico oficial. Ele testemunhou momentos memoráveis, que entraram para a história da nossa música. “O Erasmo Carlos foi chamado pela Record para comandar o programa ´Jovem Guarda´. Ele estava estourado no Brasil com a música ´Festa de Arromba´. E durante reunião com Paulo Machado de Carvalho – o então diretor da Record – e o empresário Marcos Lázaro, Erasmo indicou o Roberto Carlos para apresentar o programa. Ele dizia que não era a pessoa indicada para o projeto e que o Roberto era o cara que toda mulher queria pegar no colo”, lembra Raul. “E quando a direção da emissora viu o Roberto, se apaixonou. Aquela carinha de baiano dele impressionou”, brinca.

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Perguntado sobre a origem do seu nome artístico, Raul Tremendão, o músico foi enfático, resgatando outro ponto marcante dos bastidores da Rede Record. “O Roberto Carlos tinha feito o ´Grupo RC Trio´, ele na guitarra, o Bruno no baixo e o Dedé na bateria. Foi quando o Erasmo Carlos também resolveu montar seu grupo musical, o ´EC Trio´. Fui convidado pelo Rubinho, que era músico do Erasmo, e entrei no trio. Com o passar do tempo, o grupo musical do Roberto e do Erasmo, cresceram. Foram contratados novos músicos. Na banda do Roberto, que passou a se chamar ´RC Sete´, tinha um músico que se chamava Raul de Souza, trombonista, e, na banda do Erasmo, que passou a ser ´Os Tremendões´, tinha eu. E para não confundir os dois músicos, com o nome de Raul, me chamavam de Raul dos Tremendões, depois me chamaram de Raul Tremendão, e ficou. Hoje sou conhecido no meio musical como Raul Tremendão”, justifica.

“A ´Jovem Guarda´ foi a melhor fase musical que aconteceu no Brasil. A transformação de costumes, a maneira de falar da juventude, as gírias foram renovadas. E na música também houve transformação porque os temas das letras eram bonitos, com histórias bonitas. As letras das musicais falavam de paixões profundas e não tinham o senso apelativo das letras musicais de hoje. Agora só se fala de traições, do sujeito que levou chifres da amada. Naquela época era algo mais light”, lembra Raul. Conta o Tremendão que o seu ingresso ao movimento que mudou a juventude do país foi uma árdua trajetória, mas bem sucedida. “Eu sou do Espírito Santo e fui para São Paulo para tocar. O meu primeiro trabalho em São Paulo foi no conjunto ´The Gianninis´, que trazia o nome da fábrica de guitarras ´Giannini´. Eu toco baixo, mas tocava guitarra nessa época. Na verdade, caí de paraquedas na ´Jovem Guarda´. E depois que voltei a tocar contrabaixo, fui convidado para tocar com o Erasmo (Carlos). Mas, antes, tinha ido para o conjunto ´Os Freedmans´, que era um excelente grupo instrumental, em homenagem ao cantor George Freedman, um grande sucesso na época. Depois fui convidado pelo Gato, Zé Paulo e o Jurandir, músicos respeitadíssimos, para ingressar no ´The Jet Blacks´, mas não aceitei porque quis continuar no grupo instrumental”, relata o músico.

Encontro com Erasmo Carlos

Após deixar o conjunto instrumental, ao se desentender com um dos componentes, Raul aceitou o convite do baterista Rubinho, amigo de Erasmo Carlos, para ingressar no ´Trio EC Trio´, que estava sendo formado pelo cantor. “O Rubinho tocava na ´Boate My Love´, em São Paulo, onde o Roberto e Erasmo Carlos frequentavam. Eles davam canja na boate, acompanhados pelo grupo do Rubinho, contratado da casa. O Rubinho ia com frequência na Record, a convite do Erasmo, para assistir ao ´Jovem Guarda´. E quando o Erasmo decidiu montar o trio, o Rubinho me levou junto para ser o contrabaixista. Foi aí que conheci o Erasmo Carlos e passei a trabalhar com ele”, recorda com entusiasmo. “E a nossa primeira apresentação aconteceu no programa ´Amostra da 32´, apresentado por José Carlos Romeu, no final do ano de sessenta e seis, quando ganhamos um troféu, o nosso primeiro troféu, que tenho guardado em casa até hoje”, enfatiza.

Quanto ao convívio com Erasmo Carlos, disse Raul que foi extremamente amigável. “Na época o Erasmo era muito gordo, mas um cara genial. Tínhamos a mesma idade. Eu brincava demais com o Erasmo e com os outros músicos. Hoje nos distanciamos porque o Erasmo envelheceu e se afastou. Vez em quando eu ligo para ele e a gente faz a maior festa (sorri com satisfação). Em 2015 comemoraram-se os cinquenta anos da ´Jovem Guarda´, que começou no dia vinte e dois de agosto de 1965. Hoje faço os meus shows com as músicas da ´Jovem Guarda´, levo a minha guitarra e canto com o meu playback”, diz o músico. “A ´Jovem Guarda´ terminou em 1969, quando eu parei para me casar com a Genoveva, minha esposa, que estava me esperando há quatro anos. Eu a conheci na época em que tocava no conjunto ´The Gianninis´. Ela morava na mesma rua onde ensaiávamos, em São Paulo, na garagem do prédio do meu primo, baterista do grupo. Um dia a Genoveva apareceu por lá para ver o ensaio e voltou outras vezes. Ela tinha quinze anos e, na festa de seu aniversário de dezesseis anos fomos tocar na casa dela, quando conheci a sua família. Começamos a namorar naquela ocasião e, quatro anos depois nos casamos”, complementa.

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No convívio com Roberto Carlos, eleito o Rei da Juventude, explica o músico que o cantor era brincalhão e que tinha uma mania pouco convencional e que poucos sabem. Qual? “Ele se divertia passando a mão no bumbum das pessoas (risos). Não sei o porquê ele fazia isso, mas quando a gente passava perto dele era fatal. Claro, eu também revidava, passava a mão no bumbum do Roberto”, sorri. “Hoje, evidente, o Roberto não faz mais isso. Mas na época ele era o rei então se aproveitava dos súditos”, ironiza. “Quando vejo o Roberto ou o Erasmo na televisão, volto lá trás, no passado, e me lembro dos bons momentos que passamos juntos. As coisas mudaram, sei disso, eles cumpriram tarefas importantes, são vencedores”, comenta.

A entrevista com Raul Tremendão é interrompida, subitamente, quando na televisão, bem à frente de nossa mesa, aparece o cantor Erasmo Carlos. Ele é entrevistado em seu estúdio e fala dos trabalhos memoráveis da carreira. O olhar de Raul fica enfeitiçado, fixo na tela da tevê, acompanhando atento à reportagem. Com os lábios entreabertos, o músico parece incidir-se em lembranças que apenas ele poderia alcançar. Fatos e intimidades, talvez, nunca revelados. O silencio é predominante, mas a descontração do artista fala mais forte. Raul lembra a morte de Narinha – suposto suicídio -, esposa e a grande paixão de Erasmo, e da morte do filho mais velho do cantor, Carlos Alexandre Esteves – acidente de moto. A expressão de seriedade apaga, por segundos, o sorriso que lhe é peculiar. “O Erasmo não foi feliz no amor. Passou por momentos delicados em sua vida pessoal, assim como o Roberto, que perdeu o seu grande amor, a Maria Rita, que morreu de câncer”, denota ressentido.
Sobre as críticas à “Jovem Guarda”, por não ter sido um instrumento político de alerta à juventude, sem reivindicações, apenas um movimento musical, disse Raul que Roberto Carlos foi um líder neutro, politicamente. “Em todo questionamento de aspecto político o Roberto manteve-se neutro. Isso é um fato. Mas o Roberto não se arrepende por não ter tido um posicionamento político na era ´Jovem Guarda´ e nós nunca cobramos dele esse posicionamento. Ele é o rei, o ícone de nossa música”, defende o músico.

Pai de três filhos, Raul veio morar nos Estados Unidos em 1994, quando deixou o Espírito Santo, onde comandava uma cachaçaria – “Cacharia Tremendão” -, um restaurante italiano e um salão de baile. “Na época eu comemorava vinte e cinco anos de casado”, lembra. “Vendemos tudo em dois meses e nos mudamos para esse país maravilhoso. E o que motivou a nossa vinda para cá foi à falta de segurança no Brasil. O meu filho tinha sido assaltado, então resolvemos sair de lá. Fiquei apavorado porque eu não gosto de violência. Hoje sou aposentado nos Estados Unidos e só me dedico à música. Faço shows na Flórida, tenho o chapéu Tremendão original, lançado em sessenta e sete pela fábrica Prada, de Limeira. Uma relíquia que todos poderão ver nos shows que faço”, completa. “O sonho não acabou. A ´Jovem Guarda´ continua nos meus shows”.

Serviço

Raul Tremendão

Contato para shows – (941) 586-6666



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